O que será que Jorge Luis Borges, Julio Cortázar ou Adolfo Bioy Casares
diriam se caminhassem pelos stands da Feira do Livro de Buenos Aires,
que começou na última semana na capital argentina e vai até o próximo
dia 7 de maio?
No mínimo, que algo vai mal no mundo das letras local. É certo que o
evento tem uma boa programação artística, com a presença de renomados
autores internacionais, como o mexicano Carlos Fuentes, o israelense
David Grossman e o argentino Juan Gelman, entre outros.
Porém, o que mais se vê na feira não são livros de literatura, mas sim
"instant books" sobre política. Esse filão sempre foi mais forte aqui do
que no Brasil, e revela uma inquietação local típica a princípio
bastante louvável.
Cada escândalo de corrupção, cada novo personagem público, cada eleição e
cada pequeno trauma social argentinos imediatamente fazem com que, em
apenas alguns meses, surja um título sobre o assunto no mercado.
O que parece estar surgindo como tendência é que as grandes editoras
daqui estão mais dependentes desses "instant books". São eles os
carros-chefe das representações de cada uma delas, acompanhados por
grandes e chamativas publicidades, e mesas-redondas de lançamentos que
reúnem um monte de jornalistas, como debatedores, como público, por fim,
também como consumidores. Consequentemente, elas têm boa acolhida na
imprensa e com isso, uma excelente divulgação.
No primeiro fim de semana do evento, os livros sobre política
contemporânea foram as estrelas. Houve debates sobre o best-seller "La
Cámpora" (Sudamericana), que conta a história do grupo kirchnerista de
ascensão meteórica --do qual saiu Axel Kicillof, o rosto da expropriação
da petroleira YPF. E também de "Él y Ella" (Planeta), outro sucesso de
vendas, sobre o casal Néstor e Cristina Kirchner.
Ambas as narrativas são críticas ao kirchnerismo. Porém, não muito longe
dali, o vice-presidente, Amado Boudou, acusado de tráfico de
influências e longe de ser um romancista, abria o stand do governo
praticamente sem falar de livros e com um inflamado discurso levantando a
bola de Cristina e da nacionalização da YPF.
Nos mostradores, os "instant books" ofuscam os livros de prosa, que dirá
de poesia. Os campeões em número de títulos são o casal presidencial,
mas também há muitos sobre as Malvinas, os montoneros, o golpe militar
de 1976, os desaparecidos, a lei de mídia do governo, o "Clarín", a
Papel Prensa, etc...
Durante a semana, a feira abrigará debates de lançamento de "Zonceras
Argentinas", do ex-chefe de gabinete kirchnerista, Anibal Fernández,
"Malvinas - Descolonização, Paz e Soberania", "El Ascenso de la
Izquierda", "Más Estado, Mejor Estado", "Néstor por Todos" e muitos
outros.
Os "instant books" são, em geral, obras construídas para um público que
assiste muita TV e que acompanha o nervoso noticiário local.
Nada contra a reflexão sobre temas contemporâneos, muito pelo contrário.
Seria saudável se no Brasil houvesse a metade de títulos sobre a
realidade atual que existe na Argentina. Muitos até são sérias
investigações jornalísticas, que não encontram lugar nos jornais,
comprometidos numa luta política com o governo.
Mas a exploração desse filão, que é lucrativo, obviamente _o livro sobre
La Cámpora vendeu 60 mil exemplares, a biografia de Cristina Kirchner,
"La Presidenta", quase 70 mil-, está ofuscando a literatura mais
tradicional.
Com público mais reduzido e, assim, representando um risco de
investimento, a ficção literária já não parece ser um bom negócio para
editoras grandes. Isso se reflete não só na feira do livro, um passeio
pelas livrarias de Buenos Aires basta para notar como o fenômeno se
repete.
Não parece ser uma tendência que se repita no Brasil, os dois mercados
editoriais parecem bem diferentes _não se vê, aqui, por exemplo, uma
inserção tão grande dos livros de auto-ajuda ou técnicos.
É de se lamentar que a literatura argentina, tão imensa e importante,
fique num segundo plano num evento comercial de grande público como
este.
Talvez seja melhor que Borges, Cortázar e Bioy Casares não estejam aqui para ver esse espetáculo.
Por SylviaColombo
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